A demissão foi motivada pela decisão de
Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia Federal,
Maurício Valeixo, indicado para o posto pelo agora ex-ministro. A Polícia
Federal é vinculada à pasta da Justiça.
Ao anunciar a demissão, em pronunciamento na
manhã desta sexta-feira no Ministério da Justiça, Moro afirmou que disse para
Bolsonaro que não se opunha à troca de comando na PF, desde que o presidente
lhe apresentasse uma razão para isso.
"Presidente, eu não tenho nenhum
problema em troca do diretor, mas eu preciso de uma causa, [como, por exemplo],
um erro grave", disse Moro.
Moro disse ainda que o problema não é a troca
em si, mas o motivo pelo qual Bolsonaro tomou a atitude. Segundo o agora
ex-ministro, Bolsonaro quer "colher" informações dentro da PF, como
relatórios de inteligência.
"O grande problema é por que trocar e
permitir que seja feita interferência política no âmbito da PF. O presidente me
disse que queria colocar uma pessoa dele, que ele pudesse colher informações,
relatórios de inteligência. Realmente, não é papel da PF prestar esse tipo de
informação", disse Moro.
De acordo com Moro, ele disse para Bolsonaro
que a troca de comando na PF seria uma interferência política na corporação.
Ele afirmou que Bolsonaro admitiu isso.
"Falei para o presidente que seria uma
interferência política. Ele disse que seria mesmo", revelou Moro.
O agora ex-ministro contou que Bolsonaro vem
tentando trocar o comando da PF desde o ano passado.
"A partir do segundo semestre [de 2019]
passou a haver uma insistência do presidente na troca do comando da PF."
Moro afirmou que sai do ministério para
preservar a própria biografia e para não contradizer o compromisso que assumiu
com Bolsonaro: de que o governo seria firme no combate à corrupção.
"Tenho que preservar minha biografia,
mas acima de tudo tenho que preservar o compromisso com o presidente de que
seríamos firmes no combate à corrupção, a autonomia da PF contra interferências
políticas", declarou.
'Não
assinei exoneração'
Moro afirmou ainda que ao contrário do que
aparece no "Diário Oficial", ele não assinou a exoneração de Valeixo,
nem o diretor-geral da PF pediu para sair.
Na publicação, consta a assinatura do então
ministro e a informação de que Valeixo saiu "a pedido".
"Eu não assinei esse decreto e em nenhum
momento o diretor da PF apresentou um pedido oficial de exoneração",
disse.
'Carta branca'
Moro também disse que, quando foi convidado
por Bolsonaro para o ministério, o presidente lhe deu "carta-branca"
para nomear quem quisesse, inclusive para o comando da Polícia Federal.
"Foi me prometido na ocasião carta
branca para nomear todos os assessores, inclusive nos órgãos judiciais, como a
Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal", afirmou o agora
ex-ministro.
No anúncio, Moro chegou a se emocionar e a
ficar com a voz embargada. Foi quando ele disse que havia pedido ao presidente
uma única condição para assumir cargo: que sua família ganhasse uma pensão caso
algo de grave lhe acontecesse no exercício da função.
"Tem uma única condição que coloquei. Eu
não ia revelar, mas agora isso não faz sentido. Eu disse que, como estava
saindo da magistratura, contribuí durante 22 anos, pedi que, se algo me
acontecesse, que minha família não ficasse desamparada", disse Moro.
Demissão do diretor da PF
Moro foi surpreendido com a publicação da
exoneração de Valeixo nesta sexta-feira. Fontes ligadas ao ministro
disseram que ele não assinou a exoneração, apesar de o nome dele constar, ao
lado do nome de Bolsonaro, no ato que oficializou a saída de Valeixo.
Moro foi anunciado como ministro de Bolsonaro
em novembro de 2018, logo após a eleição presidencial. O magistrado ganhou
notoriedade como juiz de processos da Operação Lava Jato,
entre os quais o que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do
Guarujá.
Na oportunidade, Bolsonaro garantiu autonomia
a Moro na escolha de cargos de segundo e terceiro escalão. O ministro teria
“carta branca” no combate à corrupção.
"Conversamos por uns 40 minutos e ele
[Moro] expôs o que pretende fazer caso seja ministro e eu concordei com 100% do
que ele propôs. Ele queria uma liberdade total para combater a corrupção e o
crime organizado, e um ministério com poderes para tal", declarou
Bolsonaro à época.
"É um ministério importante e,
inclusive, ficou bem claro em conversa entre nós que qualquer pessoa que
porventura apareça nos noticiários policiais vai ser investigada e não vai
sofrer qualquer interferência por parte da minha pessoa", acrescentou
Bolsonaro.
Interferências
Após o início do governo, Moro e Bolsonaro
tiveram uma relação marcada por episódios de interferência do presidente no
ministério. Bolsonaro chegou a dizer que tinha poder de veto nas pastas, pois
“quem manda” no governo é ele.
Um dos episódios de interferência ocorreu em
fevereiro de 2018, quando Moro, após reclamação de Bolsonaro, revogou a
nomeação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária.
Cientista política, mestra em estudos de
conflito e paz pela Universidade de Uppsala (Suécia) e fundadora do Instituto
Igarapé, Ilona Szabó atuou na ONG Viva Rio e foi uma das coordenadoras da
campanha nacional de desarmamento.
Bolsonaro é a favor de facilitar o acesso da
população a armas e ignorou sugestões feitas pelo ministro da Justiça para o
decreto das armas.
Valeixo
A situação da PF também abalou a relação
entre Bolsonaro e Moro. O presidente pretendia desde o ano passado tirar
Valeixo do comando do órgão.
Delegado de carreira, Valeixo foi
superintendente da PF no Paraná e atuou na Lava Jato. A experiência o fez ser
escolhido por Moro para chefiar a PF.
A liberdade que Moro teve para escolher
Valeixo e superintendentes regionais da PF foi minada aos poucos. Em agosto de
2018, sem o conhecimento da cúpula da Polícia Federal, Bolsonaro anunciou
a troca do superintendente do Rio de Janeiro.
A fala gerou ameaça de entrega de cargos na
PF. A troca na superintendência ocorreu, mas Moro e Valeixo continuaram nas
suas funções.
Coaf
A relação entre ministro e presidente também
foi abalada, segundo o jornal "O Globo", pelo fato de Moro ter pedido
ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a
revisão de uma decisão que restringiu o compartilhamento de relatórios do
Coaf com os ministérios públicos e a Polícia Federal.
O movimento do ministro irritou o presidente
Jair Bolsonaro, pois a liminar atendia a um pedido da defesa do senador Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.
Um relatório do Coaf apontou movimentações
atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro. A defesa argumentou que dados dessas
movimentações foram repassados ao Ministério Público sem a autorização
judicial.
No caso do Coaf, a transferência do órgão
para o Banco Central levou à queda de um dos principais aliados de Moro na Lava
Jato, o auditor Roberto Leonel, demitido do comando da estrutura.
Coronavírus
Com a pandemia do novo coronavírus, Moro e
Bolsonaro deram outros sinais de descompasso.
Moro defendeu em falas públicas o isolamento
como forma de tentar conter o contágio, mais alinhado ao que dizia o
ex-ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta.
Bolsonaro, por sua vez, fala em isolar
somente idosos e pessoas com doenças crônicas. Ele prega a volta do comércio, a
retomada das aulas e reabertura de fronteiras com Uruguai e Paraguai.
Supremo
Visto por analistas políticos como um
possível postulante ao Planalto em 2022, desde a escolha para chefia a pasta da
Justiça, Moro figurou como um possível indicado por Bolsonaro para as duas
vagas no STF que serão abertas com as aposentadorias dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio
Mello.
Bolsonaro costumava elogiar o perfil de Moro,
mas também declarou o desejo de indicar um ministro "terrivelmente
evangélico" para a Corte.
Perfil
Nascido em 1972 em Maringá, no norte do
Paraná, Moro ganhou visibilidade como juiz da 13ª Vara Federal Criminal de
Curitiba – especializada em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro.
Ele ficou conhecido nacionalmente por ser o
juiz responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância.
Antes da operação, Moro trabalhou no caso
Banestado e atuou como auxiliar da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF)
Rosa Weber, em 2012, no caso do Mensalão do PT.
A Operação Lava Jato, que teve a 1ª fase deflagrada
em 17 de março de 2014, começou com a investigação de lavagem de dinheiro em um
posto de combustíveis e chegou a um esquema criminoso de fraude, corrupção e
lavagem de dinheiro na Petrobras. Posteriormente, a ação alcançou outras
estatais.
Em mais de quatro anos de Lava Jato, o
magistrado sentenciou 46 processos, que condenaram 140 pessoas por crimes como
corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Entre os políticos condenados 13ª Vara
Federal de Curitiba estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o
deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB).
Doleiros, ex-diretores da Petrobras e
empresários ligados a grandes empreiteiras do país também já foram condenados
por Moro.
Fonte: G1